terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Judas do horário nobre


NOSSO JUDAS DA VEZ
“Quem se junta aos porcos, farelo come.” E salve os porcos que comem farelo, legumes, frutas e são amorosíssimos, mil vezes melhores que a humanidade que os come. No nosso caso, o ditado poderia ser, então: “quem se junta aos abutres, carniça come,” e, ainda assim, salve os abutres que o fazem por instinto de sobrevivência, mil vezes melhores que a humanidade que escolhe carniça por prazer, tendo a alternativa da vida saudável pra se alimentar… Mas, como meu tema é outro, (porém, nem tanto) e já que vou chafurdar na lama e me revirar na carniça, começo, de cara, disparando – “ai, como somos todos bandidos!” Um país de certas mediocridades que só pode mesmo dar cartaz a certas mediocridades que nos revelam: nós adoramos ter um Judas da vez pra malhar! Precisamos ter um culpado nacional pra redimir todos os nossos pecados. E as fogueiras estão sempre acesas pra queimar o herege da hora.
Evidente que não vou aqui defender o executor: o cara que atira, o que sonega, o que estupra. Não consigo ser advogada dos “maus”, não tenho talento, imparcialidade e estômago para tanto, mesmo sabendo que em nosso país é sagrado o direito à defesa. “Todos são inocentes até prova em contrário”. Admito: sou limitada nisso e pronto. Por isso não escolhi ser advogada, embora ame a justiça, essa senhora em nome de quem muito se prega e pouco se efetiva.
Voltando, sem ter exatamente abandonado o tema, não podemos passar sem o bandido da vez. E como isso rende! Sim, cruzes e fogueiras nos renderam culpas e desculpas pra dois mil anos e muito mais. Nossos deuses também jamais seriam deuses sem terem, como os bandidos, sido supliciados em crueldades, sofrimentos, maldades de toda ordem, aliás, a bem da verdade, nossos deuses tiveram seus momentos Judas. Todos foram considerados bandidos e, por isso pregados nas cruzes, queimados vivos, e por isso foram sagrados deuses, santos, Cristo. Isso é a mente da humanidade da superfície da terra. A mente de superfície. Sem maniqueísmo algum, essa porção da mente que registra, com prioridade os tons quentes, segundo os estudos da Coca-Cola que jamais abrirá mão do vermelho exatamente por esse motivo. Adoro o vermelho, aviso logo aos navegantes. Não me arrumem uma cruz por isso.
Atualmente nossa gula é mais intensa. Nossos bandidos ou heróis não duram ao menos vinte dias. A matéria fica fria. O paraíso seria um Judas por minuto! Fervilharíamos nas redes sociais e nos sentiríamos ainda mais poderosos, cidadãos do facebook, intervindo diretamente na decisão suprema sobre quem sai do programa! A glória!
Nosso problema é que nosso Judas nunca é o mandante, o financiador, o poderoso, o diretor do reality show da hora, o que decide. Não. Nos contentamos porque ele, o poderoso, é quem aplaca a nossa “insaciável sede de justiça” ouvindo nosso clamor coletivo e jogando na fogueira o outro, o que cometeu o crime ali, na ponta, no caso, na tela. Afora o caso de Jesus, que Ele, sim, Era e É O Cara, os demais, sempre foram e são as “piabinhas” (e lá vou eu: salve as piabinhas…)
Nossas fogueiras são hipócritas demais! Por isso nunca queimam até o fim. Por isso estão sempre acesas, sempre esperando o próximo da fila. O que me incomoda é essa comoção nacional medida a cada segundo pelo ibope, alimentando a podridão do começo ao fim, que nunca chega.
Vamos lá: se era pra fazer justiça de verdade, justiça valendo, o slogan da vez não tinha que citar apenas “Daniel”, “Rafael” ou “Miguel”, e digo logo: esse papo de ser negro, me poupe, nem comento, de tão absurdo, porque estupro é crime sendo branco, negro, amarelo, vermelho, católico, espírita, evangélico, umbandista. Ponto.
Se era pra pedir a cabeça como, de fato e de direito a situação exige, a chamada tinha que ser também fora Boninho, Bial, BBB e Globo! Para quem faz e para quem manda, os rigores da Lei. Caiam todos: o que estuprou e os que acompanharam o estupro acontecendo ao vivo e a cores, não acudiram a vítima, editaram pra jogar nas nossas imensas telas pós-modernas e ainda tripudiaram chamando isso de “amor”. Quem mandou??!! Mas quem mandou, de verdade??!! Vamos lá, Brasil, Coragem! (Que é o que a vida nos pede, não é mesmo, nossa melhor alma, nossa verdadeira redenção, nossa parte Rosa?).
 

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