A desembargadora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães acatou o recurso dos
moradores do assentamento “Newton Miranda”, em Outeiro, e voltou atrás
na sua decisão de reintegrar a área de 62 hectares à Delta Publicidade,
pertencente aos irmãos Rômulo e Ronaldo Maiorana. Fica mantida,
portanto, a decisão da juíza Ellen Bemerguy Peixoto, da 2ª Vara Cível do
Distrito de Icoaraci, que em agosto passado rejeitou pedido de
reintegração de posse formulado pela empresa. As cerca de 800 famílias
que residem na área comemoram muito a decisão no final da tarde de
ontem.
Na sua decisão, a magistrada afirma que a Delta não
cumpriu o artigo 526 do Código de Processo Civil (CPC), que determina a
comunicação do recurso impetrado (no caso o agravo) ao juízo singular,
no prazo de três dias. “O não cumprimento do disposto neste artigo
implicará a ausência de pressuposto extrínseco de admissibilidade
recursal, consistente em vício de regularidade formal, impondo, por via
de consequência, o não conhecimento do recurso”, disse a desembargadora
na decisão. A comunicação à juíza de Icoaraci ocorreu 15 dias depois da
interposição do agravo no Tribunal de Justiça, totalmente fora do prazo
legal.
Pela manhã, entretanto, o clima era de tensão no
assentamento. A desconfiança tomava conta das famílias. No início da
manhã, três veículos das Organizações Rômulo Maiorana (ORM) estiveram no
local. “Os carros de imprensa do Liberal vieram intimidar a gente
dizendo que já podiam fazer a reintegração de posse”, assegurou Silvio
Oliveira, morador do assentamento e coordenador do Movimento Sem Teto
(MTST).
Os moradores afirmam que não vão deixar o lugar. “Essa
área é da União. Se isso acontecer, quem vai se responsabilizar por
essas 800 famílias que vivem aqui?”, questiona Silvio. Junto com ele, a
líder comunitária Francisca Amorim fazia questão de mostrar as condições
da casa ocupada por quem eles afirmam ser o caseiro dos Maiorana.
ARAMES
A
área de aproximadamente 200 metros, segundo os moradores, estava
cercada por arames farpados em uma região afastada das barracas
construídas pelos moradores do assentamento. À beira do rio, a casa é
mantida isolada por um portão de madeira trancado. “Estamos aqui pra
provar que a casa dele é essa e que ninguém ocupou”, disse Francisca.
“Esse Maiorana tem 200 metros que está cercado e ele quer tirar todo
mundo porque diz que invadimos. Tá aí a casa dele, ninguém invadiu”.
Na
decisão que acabou revogada na tarde de ontem, a desembargadora Maria
de Nazaré Saavedra Guimarães afirmou que a Delta teria comprovado que os
moradores do local estariam consumindo energia do imóvel em questão.
Revoltada, Francisca apontava para o poste de energia que alimentava a
casa que afirmaram pertencer aos irmãos Maiorana. “O poste de luz dele
tá aí. Você pode ver que não tem nenhum fio nosso. Ele só tá ligado a
essa casa dos Maiorana”.
PROJETO
A alguns metros da
saída do terreno, os moradores já dão indícios de que pretendem ficar
no local de forma permanente. A placa fincada na beira do caminho que dá
acesso a parte interna do terreno informa o processo de implantação de
66 casas derivadas de material reciclado. “O Eko Park Newton Miranda é
um projeto piloto que vai construir casas para 66 famílias, além de
escola, creche, granja e uma horta”, explicou o coordenador do projeto e
morador do assentamento, Moisés Góes. “É um projeto todo bancado pela
comunidade. Se ele for extinto, todas essas famílias vão perder”.
Tentativa de grilagem é denunciada na OAB e MPF
A
defesa dos moradores da ocupação “Newton Miranda” protocolou, no final
da manhã de ontem, documento na Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA,
endereçada ao advogado Marcelo Freitas, denunciando a tentativa de
grilagem de terra pública patrocinada pelos irmãos Maiorana em Outeiro. A
mesma denúncia foi protocolada no Ministério Público Federal (MPF).
Dada
a sua localização insular, diz o documento, “é de conhecimento público e
notório que este local está sob o domínio e gestão dos chamados
Terrenos de Marinha, portanto, sob a gestão do Serviço de Patrimônio da
União–SPU”. Frisa ainda que todas as moradias e benfeitorias na área
são, na sua totalidade, de famílias de baixa renda, que ali
estabeleceram seus lares, na busca “pela dignidade humana e qualidade de
vida”.
Os advogados ressaltam ainda que a área é reivindicada
pelo grupo Liberal, que nunca deteve a posse, nem o domínio da área,
“tendo tão somente construído no local uma pequena casa que servia de
moradia para um senhor que se identificava como caseiro, a serviço dos
irmãos Maioranas”.
ÁREAS
Na verdade, o propósito do
Grupo Liberal, diz o documento, era utilizar essa grande área, “com
objetivo de promover a grilagem de terras públicas para fins de
especulação imobiliária, uma vez que nunca providenciaram a
regularização documental da área, nem executaram qualquer espécie de
benfeitoria no local”.
Insatisfeitos com a decisão da juíza de
Icoaraci, que negou liminarmente a reintegração de posse, o documento
relata que o Grupo Liberal interpôs Agravo de Instrumento no TJ para se
ver reintegrado na posse da terra que nunca detiveram. “Com fundamento
tão somente num recibo de luz que seria hábil a comprovação da posse no
imóvel, afirmam que a desembargadora-relatora concedeu liminar de
reintegração de posse contra as famílias que ocupam a área”, diz o
documento. Como a denúncia foi protocolada pela manhã, o documento não
traz a informação de que a decisão foi revogada pela mesma
desembargadora, na tarde de ontem.
Ao final, os advogados
reafirmam que o Grupo Liberal não possui nenhum documento que ampare a
sua suposta posse, domínio ou propriedade sob o imóvel em questão. “É
tão somente, uma descarada tentativa de grilagem de terras públicas”,
acusam.
Ante a possibilidade de se causar danos irreparáveis a
estas famílias, com o cumprimento da liminar, “é que estas famílias
recorrem solicitando apoio e auxílio, junto às autoridades competentes
com vistas a coibir que tamanha violência e arbitrariedade seja cometida
contra nossas famílias”, finaliza o documento.
A defesa dos
ocupantes juntará cópias de reportagens publicadas no DIÁRIO, em agosto e
setembro e a dos últimos dias denunciando a questão, bem como cópia de
todo o processo e os recursos impetrados e encaminhará à Secretaria
Nacional de Direitos Humanos, à Ouvidoria Nacional de Direitos e ao
Ouvidor Agrário Nacional, Gersino Filho. Hoje, os advogados protocolam a
denúncia na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
(Diário do Pará)
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