Evento de encerramento do Fórum Social Temático, que aconteceu em Porto Alegre
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Rui Daher
De São Paulo
O que faz pessoas ligadas ao agronegócio acreditarem que o
Brasil está dormindo em berço esplêndido? Ainda mais se contumazes
ufanistas dos gritos retumbantes do "celeiro do mundo"?De São Paulo
Quase simples assim. Em qualquer país sempre haverá dispositivos legais capazes de impedir o livre arbítrio do poder público e da iniciativa privada, fato que atrapalha negócios particulares ou mesmo ideias de cabeças que se pensam hegemônicas.
Passar por obstáculos e naufragar diante de alguns deles faz parte do viver, e a agropecuária brasileira não escapará disso nas próximas décadas.
Afora renitentes membros do Partido Republicano dos EUA e neoliberais interessados em ingressar num "Incrível Exército de Brancaleone" (Mario Monicelli, 1966), ninguém mais duvida que, em 2008, escancarou-se a transição para uma nova ordem econômica e política, em gestação pelo menos desde o final dos anos 1990.
Pouco a ver conosco ou com governos, meus caros. Trata-se, sim, de conglomerados empresariais confrontando ou se aproveitando de políticas de Estado, que este é o jogo na fase atual do capitalismo.
Não se deve acreditar, portanto, que Fóruns Mundiais, entre Porto Alegre, no sul brasileiro, e Davos, na Suíça, prospectem soluções para garantir segurança alimentar nas nações pobres, consumo luxuoso nas mais ricas e emergentes, e ainda preservem a qualidade ambiental do planeta.
Não que a convivência com sociedades mais justas e igualitárias não compensasse o esforço. Nem que a vitória seja impossível com as inovações tecnológicas dos últimos 50 anos.
O que faz a dificuldade tornar-se monstruosa é saber que dos gelados Alpes chegam notícias de que tais objetivos precisam ser atingidos gerando oportunidades econômicas.
Traduzo o óbvio: ganhando dinheiro. Tanto que a premissa principal - relevância de dar frio na espinha - é "mobilizar o setor privado internacional para tornar a agricultura o motor central do crescimento social e da estabilidade do futuro".
Harmonia perfeitamente perceptível nas ações protecionistas que hoje proliferam em todas as partes do mundo.
No Brasil, os clamores, embora não expressos, se voltam às medidas governamentais de proteção aos nossos patrimônio territorial e soberania, representados na posse de terras por estrangeiros e empresas com capital externo majoritário, que supostamente restringem a disposição de investir.
A ponto de se invejar que tanto capital estrangeiro dirija suas caravelas para a África, destino que a justiça divina teria reservado a nós, brasucas.
Talvez, a alguns países do continente africano interesse receber capital de fora à custa de cessão territorial. A África ocupa área três vezes e meia maior do que a do Brasil e, se aqui temos uma República Federativa, lá coexistem 54 países independentes e algumas colônias, com profundas diversidades étnicas e culturais, Estados de extrema pobreza e governos politicamente instáveis.
O que tem a reclamar um país que somente nas duas primeiras semanas do ano recebeu 13 bilhões de dólares e euros de capitais externos dirigidos à Bolsa ou para financiamento de infraestrutura pública e privada?
Mas o agronegócio sente-se inseguro juridicamente para investir. Assim como regurgita a ânsia de ver logo aprovado o Código Florestal e pena por ter interrompido a implantação de novas usinas de álcool.
Imaginem, então, a insegurança que sentiram as duas mil famílias que moravam em Pinheirinho, São José dos Campos (SP), depois da ordem judicial e da presteza policial que os expulsaram de casa arrebentando e fazendo-os abandonar os seus pertences.
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