Amplo estudo publicado na revista Nature mostra que o processo de
savanização está muito acelerado na parte oriental da floresta.
Agressões podem resultar em mais eventos climáticos drásticos, como
secas e cheias, e no aumento do aquecimento global. Reportagem de Max
Milliano Melo, no Correio Braziliense.
O alerta vem sendo dado aos poucos. Pesquisas preveem secas cada vez
mais frequentes e intensas, incêndios proliferam, em algumas áreas o
desmatamento ficou descontrolado. O resultado é o processo de
savanização das porções sul e leste da Amazônia. De forma acelerada, a
maior floresta tropical do mundo ganha contorno de cerrado, perdendo
parte da sua capacidade de armazenar carbono, um importante processo
para contenção do aquecimento global. Um artigo publicado com destaque
na edição de hoje da Nature, com ampla participação de pesquisadores e
instituições brasileiras, incluindo a Universidade de Brasília (UnB),
reúne as mais recentes descobertas sobre o fenômeno, que se tornou
preocupante, de acordo com os especialistas.
Segundo a análise, resultante do Programa de Grande Escala da
Atmosfera-Biosfera da Amazônia(LBA), uma série de fatores, humanos e
naturais, estão sobrecarregando a borda oriental da floresta, nos
estados do Pará, do Tocantins e de Mato Grosso. Embora a Amazônia tenha
uma alta capacidade de se recuperar dos fenômenos que a agridem, a soma
de várias ações simultâneas limita esse poder de autocura. Como é na
região de limite com o cerrado que há maior pressão humana, é por lá que
se inicia o processo de savanização.
Na longa lista de agressões que o rico ecossistema sofre, uma das
mais antigas é o desmatamento. Embora nos últimos anos o índice de
retirada da vegetação tenha despencado de 28.000km², em 2004, para
7.000km², em 2011, o artigo classifica essa queda como “frágil”. “No ano
passado, especialmente no primeiro semestre, houve um aumento no
desmatamento. A reversão dessa tendência no segundo semestre fez com que
a média do ano ficasse ligeiramente abaixo da de 2010”, explica a
pesquisadora do Instituto de Biologia da UnB Mercedes Bustamante, que
participou do estudo. “Isso revela que, em algumas regiões, o
desmatamento ainda é problemático e precisa ser resolvido”, completa.
Com a persistência da retirada da camada vegetal e as queimadas ainda
longe de serem controladas, os cientistas avisam que, de certo modo, o
mal já está feito. “Claro que é muito boa a redução da retirada de
árvores, mas dependendo da largura da área já desmatada, há uma
alteração importante no clima da própria região”, conta Marcos Longo,
pesquisador brasileiro da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos,
que também integra o time de autores do artigo. “Nos lugares onde a
largura desmatada é de pelo menos 150km², há uma alteração na formação
das nuvens e no ciclo de chuvas”, explica.
As árvores, os arbustos e as demais espécies de plantas executam um
processo de evotranspiração, quando liberam água para a atmosfera. Esse
líquido está entre os principais formadores das nuvens de chuva. Ou
seja, onde não há mais plantas, a frequência das precipitações diminui.
“Ao mesmo tempo, nas bordas da mata remanescente, devido ao alto
contraste entre a floresta e a área desmatada, aumenta a chuva”, conta o
pesquisador brasileiro nos Estados Unidos. “Da mesma forma, dependendo
do tamanho da área desmatada, o interior da floresta naquela região
também sofre diminuição da pluviosidade. Um exemplo de onde ocorre isso
atualmente é a região de Rondônia, mas o problema pode surgir em
qualquer lugar”, completa.
Clima
As mudanças do clima — que, de certo modo, também tem causas humanas —
contribuem com o preocupante cenário. Os efeitos dos fenômenos El Niño e
La Niña, complementados pelo aquecimento global, desregulam os ciclos
de chuva do gigante verde da América do Sul. “Tem havido um aumento no
fluxo de estação chuvosa nas regiões do Araguaia e do Tocantins durante
as últimas décadas, causando inundações, erosão do solo, além de maior
sedimentação”, explica ao Correio o líder da pesquisa, Eric Davidson, do
The Woods Hole Research Center, nos EUA.
A bagunça climática chegou a tal ponto que, dependendo da época do
ano, ocorre o fenômeno inverso: a ausência quase total de chuva. “Em
apenas cinco anos, houve duas grandes estiagens na região: em 2005 e em
2010. Secas que normalmente ocorrem apenas uma vez a cada 100 anos”,
explica o norte-americano. “Se essa é uma tendência que deve continuar, é
muito cedo para dizer com confiança, mas um clima com mais secas
extremas é algo inteiramente consistente de acordo com projeções de
mudanças climáticas atuais”, alerta o pesquisador.
O grande legado das secas, mesmo após uma aparente recuperação da
mata, é a limitação da capacidade das plantas de exercerem seus serviços
ambientais. O artigo conta que, quando a água da chuva em uma
determinada região diminui de 35% a 60% durante três anos, a umidade do
solo se esgota, a produção de madeira cai entre 30% e 60%, a mortalidade
de árvores quase dobra e a biomassa viva acima do solo diminui de 18% a
25%. Quando o período de seca cresce para entre quatro e sete anos, as
taxas de mortalidade quase triplicam. Os especialistas lembram que o
fenômeno de 2005 trouxe efeitos semelhantes (o nível do Rio Solimões
ficou apenas entre 33% e 65% da média histórica).
Carbono
Os efeitos do enfraquecimento da Amazônia ainda não são totalmente
entendidos. Contudo, os pesquisadores sabem que eles são, em maior ou
menor escala, catastróficos. Ainda falta entender se a floresta é grande
consumidora de carbono produzido externamente ou se ela está próxima do
equilíbrio, ou seja, produz o gás durante as queimadas ou na
decomposição das plantas e consome a mesma quantidade pelo crescimento e
desenvolvimento das árvores. “Independentemente disso, a floresta
funciona como um gigantesco reservatório natural de carbono”, conta
Mercedes Bustamante, da UnB.
Enquanto o mundo tenta reduzir o efeito estufa por meio da captura do
excesso de carbono — liberado principalmente pela queima de
combustíveis fósseis —, a floresta guarda em suas folhas, troncos e
galhos cerca de 100 bilhões de toneladas de carbono, o mesmo que os 7
bilhões de habitantes do planeta demoram 10 anos para emitir.
Dessa forma, o enfraquecimento da floresta não seria apenas um
problema das comunidades locais, ou dos países da América do Sul por
onde ela se estende. “As plantas utilizam o carbono presente na
atmosfera para se desenvolver. É como se elas ‘comessem’ esse carbono”,
explica Marcos Longo. “Quando não há vegetação, não há quem utilize esse
carbono. Da mesma forma, quando há derrubada da floresta, o carbono
armazenado nas árvores vai para algum lugar, no caso, para a atmosfera.”
Assim, a balança de carbono mundial ficaria ainda mais desequilibrada,
com menos seres consumindo o elemento e uma gigantesca quantidade da
substância despejada na natureza.
Conhecimento ampliado
Criado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), o
Programa de Grande Escala da Atmosfera-Biosfera da Amazônia(LBA) tem a
função de ampliar o entendimento sobre o funcionamento dos ecossistemas
amazônicos e integrar as dimensões sociais e econômicas às pesquisas
ambientais de ponta. No artigo publicado pela Nature, além dos três
brasileiros citados pela matéria, participaram da pesquisa especialistas
do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Embrapa, da Universidade
Federal do Acre (Ufac) e do Centro de Geotecnologia do Imazon, no Pará.
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