Domingo, 29/01/2012, 07:13:07 - Atualizado em 29/01/2012, 07:13:07
A deputada Simone Morgado: contra pregões feitos ao ‘apagar das luzes’ (Foto: JANDUARI SIMÕES)
Fracionamento de despesas para
fugir do processo licitatório, montagem de concorrências com o uso de
empresas fantasmas e compras de produtos em quantidades acima do
necessário e que podem ter sido pagos, mas não entregues. O rosário de
fraudes que vem sendo desfiado ao longo do último ano pelo Ministério
Público do Pará está se repetindo na atual administração da Assembleia
Legislativa do Estado. A sangria do dinheiro público não foi estancada
mesmo com a AL na mira dos órgãos de fiscalização desde fevereiro de
2010. Quem garante é a 1ª Secretária da Mesa Diretora da casa, deputada
estadual Simone Morgado (PMDB).
Na semana passada, a deputada enviou ao
Ministério Público, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) e à Receita
Federal relatório em que aponta indícios de irregularidade em duas
concorrências que somam R$ 2, 4 milhões. Pelo menos outros seis
processos estão sendo analisados pela primeira secretaria e, se
comprovadas as fraudes, os valores envolvidos podem superar R$ 10
milhões apenas em 2011.
Um exemplo do derrame dinheiro na AL é a
compra de papel para impressão. No relatório, Simone Morgado
contabiliza que as 9.500 caixas do produto que seriam compradas no final
do ano passado - cada uma com dez resmas de 500 folhas - representam
47,5 milhões de folhas de papel, o que significaria um consumo de cerca
de 180 mil folhas por dia útil no decorrer de 2012, a um custo total de
R$ 950 mil. “Esse pregão foi feito no final do ano, no apagar das luzes e
só chegaram os cheques para eu assinar, já com as vencedoras. Resolvi
não assinar [os cheques]. Tinha que analisar as empresas que
participaram do pregão.”, diz Simone, que afirma que a compra de
materiais nunca foi alvo de reuniões da Mesa Diretora da AL. “Pelo menos
eu, como primeira secretária, responsável por assinar os cheques,
deveria ser informada. Estão tentando me acusar de estar emperrando a
administração da Assembleia e não é nada disso. Estou simplesmente
evitando que se gaste um absurdo de dinheiro de maneira irregular”.
Auditora licenciada da Secretaria de
Estado da Fazenda (Sefa), Simone Morgado tem intimidade com os números
da administração pública e assumiu o cargo de primeira secretária da AL
em fevereiro do ano passado, junto com a nova gestão comandada por
Manoel Pioneiro (PSDB). De acordo com o Regimento Interno da AL, a
primeira secretaria é a ordenadora de despesas da casa. É a responsável
direta por liberar os recursos para pagamentos de fornecedores,
contração de pessoal, entre outras funções administrativas.
A deputada conta que as suspeitas de que
continuava havendo fraudes nas licitações da AL começou por volta de
março do ano passado, quando foi chamada para assinar cheques de
pagamentos já empenhados, referentes a contratos que ela desconhecia.
“Só chegava à minha mão o cheque para assinar, como se eu fosse só uma
secretária do presidente”, conta. “O regimento interno diz que a
administração da casa fica com a primeira secretaria, mas eu não sabia
como funcionava porque não tinha tido acesso aos documentos. Comecei a
perceber que seria muito difícil administrar sem saber detalhes dos
contratos e comecei a pedir. Demorei a receber. Os documentos chegavam
incompletos. Em junho, comecei a ver indícios de que os problemas que
ocorreram nas outras administrações estavam se repetindo”, conta a
deputada, afirmando que, no início, chegou a assinar alguns cheques.
Mesmo assim, tirou cópias dos processos
para analisá-los. “Eu estava chegando à primeira Secretaria, não podia
simplesmente me recusar a assinar os cheques. A casa tinha que
funcionar, mas em junho comecei a fazer pareceres de alguns processos.
Se sou co-responsável, deveria saber, desde o início, detalhes dos
pregões”.
Morgado diz que resolveu denunciar como
forma de se precaver de futuras ações que podem ser movidas contra a
atual gestão pelos mesmos motivos que já levaram o Ministério Público a
denunciar à Justiça os ex-presidentes da AL, Mário Couto e Domingos
Juvenil, além de vários servidores da comissão de licitação, controle
interno e folha de pessoal. “Resolvi denunciar. Para me precaver. Não
tenho nada contra nenhum deputado, muito menos contra o presidente
[Pioneiro], mas decidi fazer isso porque vi que a coisa estava tomando
um rumo em que parecia que não ia haver controle”, explica.
Indagada se Pioneiro estaria diretamente
envolvido nas fraudes, Simone Morgado disse que não há como afirmar.
“Se pessoas de confiança do presidente estão fazendo isso sem
conhecimento dele, é muito grave. Se ele não viu nenhum indício [de
irregularidade], não posso fazer nada”.
Pregões viciados e empresas sem endereço e irregulares
Os primeiros processos analisados pela primeira secretária da AL, alvo das denúncias já feitas ao Ministério Público, Tribunal de Contas e Receita Federal, são referentes aos pregões presenciais vencidos pelas empresas A. S. Ferreira Comércio,
Pregões viciados e empresas sem endereço e irregulares
Os primeiros processos analisados pela primeira secretária da AL, alvo das denúncias já feitas ao Ministério Público, Tribunal de Contas e Receita Federal, são referentes aos pregões presenciais vencidos pelas empresas A. S. Ferreira Comércio,
Serviços e Representação Ltda. e Comap
(Comércio de Alimentos, Produtos e Serviços Ltda). Somados, os dois
contratos chegavam a R$ 2.471.000, que seriam pagos para o fornecimento
de material de expediente ( papel, canetas, apontadores, cola, entre
outros)”. Simone Morgado diz que nesse processos verificou “graves erros
formais e financeiros”, que implicariam “em danosas perdas para a
casa”. Por isso, determinou que o departamento financeiro cancelasse os
pagamentos e apurasse as irregularidades. A empresa A. S. Ferreira
Comércio, Serviços e Representação Ltda. foi declarada vencedora do Lote
I, referente a material de expediente em geral, no valor de R$
1.685.000. A empresa Comércio de Alimentos, Produtos e Serviços Ltda foi
a vencedora dos Lotes II e III, específicos para toner e cartuchos para
impressoras, somando R$ 786 mil.
Entre as irregularidades detectadas pela
primeira secretaria estaria o fato de apenas as duas empresas
apresentaram o documento que atesta a capacidade financeira para atender
ao contrato, quando o correto seria que todas as participantes do
processo licitatório tivesse apresentado essas certidões. Morgado disse
que considerou estranho também de que apenas empresas de pequeno porte
tenham atestado já ter comprado das duas vencedoras e produtos em
quantidades iguais às licitadas pela Alepa. Com a equipe da primeira
secretaria, Morgado foi aos endereços fornecidos por algumas empresas
que constavam no processo e verificou que há casos em que a firma não
funciona no local cadastrado no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
(CNPJ)- e por isso decidiu denunciar o caso também à Receita Federal.
O parecer da 1º Secretaria também aponta
outras irregularidades na documentação das duas empresas vencedoras do
pregão. A empresa A. S.Ferreira, vencedora do lote de maior valor, não
funciona no endereço informado no processo.
A Certidão Negativa de Natureza
Tributária emitida à empresa pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa)
em 23 de agosto de 2011 foi cassada no dia 4 de dezembro, apenas dois
dias antes da realização do pregão, o que, segundo a deputada, bastaria
para invalidar a participação dessa empresa no processo licitatório. Já
no caso da empresa Comap, o parecer também aponta irregularidades quanto
ao endereço. Uma nota fiscal no processo emitida pela empresa em 13 de
dezembro, informa que sua sede está localizada na rua Nossa Senhora de
Aparecida nº 351, no bairro Castanheira, enquanto, na alteração
contratual registrada na Junta Comercial do Estado do Pará (Jucepa)
cerca de 40 dias antes, já havia sido requerida a mudança de endereço
para a rodovia Augusto Montenegro, passagem Dois de Junho nº 238, Loja
II, no bairro Castanheira. A equipe da primeira secretária foi ao local e
constatou que o primeiro endereço não existe. O segundo endereço estava
fechado em horário comercial, sendo que esse local é o mesmo endereço
fornecido pela empresa Distribuidora J. R. Comércio de Gêneros
Alimentícios Ltda., a fornecedora de cestas básicas para a Alepa até
dezembro de 2011.
“Quando a gente vê uma empresa que faz
de tudo, pintura, construção, vende máquinas, é um dos primeiros indício
[de irregularidade], e algumas empresas que fornecem para a AL são
assim”, diz a deputada, que está distribuindo as informações levantadas,
até agora, para todos os deputados para que o assunto seja discutido a
partir da próxima quarta-feira, quando a casa retoma os trabalhos após o
recesso.
PROCESSO CANCELADO
O presidente da Assembléia Legislativa do Pará, deputado Manoel Pioneiro não quis falar com a reportagem sobre as denúncias, mas enviou nota à redação em que afirma que ao tomar conhecimento “de problemas de natureza formal e legal no Pregão Presencial 009/2011” - aquele para aquisição de material de expediente – decidiu cancelar o processo. Informou ainda que, pelos mesmos motivos, o empenho da compra de material oftalmológico para o programa itinerante do Centro de Atendimento ao Cidadão (CAC) foi suspenso ainda em novembro do ano passado.
O presidente da Assembléia Legislativa do Pará, deputado Manoel Pioneiro não quis falar com a reportagem sobre as denúncias, mas enviou nota à redação em que afirma que ao tomar conhecimento “de problemas de natureza formal e legal no Pregão Presencial 009/2011” - aquele para aquisição de material de expediente – decidiu cancelar o processo. Informou ainda que, pelos mesmos motivos, o empenho da compra de material oftalmológico para o programa itinerante do Centro de Atendimento ao Cidadão (CAC) foi suspenso ainda em novembro do ano passado.
Disse também que mandou instaurar
administrativamente “rigorosa averiguação das informações e das
suspeitas levantadas, para que se tomem as medidas cabíveis no caso”.
Por meio da nota, Pioneiro declarou que
não participa - em nenhuma instância - de qualquer processo licitatório,
“a não ser para dar a aprovação final baseada no parecer favorável dos
órgãos internos especialmente designados para tal finalidade”. Esses
órgãos são Comissão de Licitação, a Comissão de Pregão, a Controladoria e
a Procuradoria.
(Diário do Pará)
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